Dalila Cerejo, investigadora integrada do CICS.NOVA e Professora Auxiliar NOVA FCSH, assina texto de reflexão sobre a violência de género e doméstica em tempo de isolamento. 

De entre os profundos impactos sociais nefastos que o isolamento imposto pela Covid19 trará, a(s) violência(s) de género, particularmente a violência doméstica (VD) estará, certamente, entre os mais prementes. Os dados da PSP sobre os crimes de violência doméstica reportados entre 13 de março e 17 de abril de 2020, revelam que o número de queixas diminuiu em 34,7% relativamente ao período homologo. Esta diminuição é, de resto, idêntica tanto no que se refere à violência doméstica praticada contra cônjuge ou análogos (-33%) como à violência doméstica praticada contra menores (-49%). Mas estes dados apenas confirmam o que os estudos desenvolvidos no CICS.NOVA, através do seu Observatório Nacional de Violência e Género (ONVG), têm assinalado desde 1995 até à atualidade: os casos de VD que encontram o caminho da denúncia são uma pequena parte da violência “real”. Acresce que, por ocorrer no seio da esfera do privado, da casa e da intimidade, este tipo de crime, arreigado em modelos e valores de género assimétricos entre homens e mulheres, é de difícil desocultação. O isolamento imposto pela pandemia viral, trará consigo uma subida elevada e inevitável, mas ainda difícil de estimar, deste tipo de violência. A este propósito, o estudo de 2016 à Violência de Género do Município de Lisboa (CICS.NOVA-ONVG) demonstrou que os casais mais tempo confinados em casa (devido a situações de desemprego, por exemplo), se encontravam mais expostos a este tipo de violência. Se muito do exercício de violência perpetrado pelo agressor, tem características de controlo social, sabemo-lo pelos estudos qualitativos realizados pela equipa, este confinamento torna ainda mais eficaz esse controlo por via do isolamento. Os/as filhos/as, já anteriormente vítimas diretas deste tipo de violência, quer por assistirem às agressões quer por eles/elas próprios/as serem delas vítimas, estão hoje a ela expostos 24 horas por dia.

Os sinais do que, também, será uma pandemia social, começam a emergir noutro países congéneres europeus: França, Reino Unido, Alemanha, França, registaram subidas entre 25 a 30% das denúncias, dados oficiais e apenas relativos ao início do confinamento. Perceber o enorme impacto que a Covid-19 está a ter nos cenários de violência doméstica e no contexto da intimidade será um enorme desafio de investigação e de avaliação científica a que o CICS.NOVA-ONVG terá e irá, certamente, corresponder beneficiando de todo o conhecimento a nível nacional e internacional que tem vindo a produzir nesta área.

Dalila Cerejo

Professora Auxiliar NOVA FCSH e Investigadora Integrada do CICS.NOVA

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico.