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Reflexões em tempos de pandemia
Leonel de Oliveira Pinheiro contribui para projecto sobre a COVID-19 no Território do Vale do Mucuri, Minas Gerais, promovido pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). O 5.º Boletim Informativo, publicado a 7 de Junho de 2020, conta com um texto de reflexão do investigador intitulado "Faces das desigualdades sociais fortalecidas pela Pandemia da COVID 19", disponibilizado na íntegra nesta plataforma.
Este texto reflecte sobre o impacto da pandemia na amplificação das desigualdades sociais e apresenta algumas acções tomadas para fazer face aos desafios da COVID-19.
Faces das desigualdades sociais fortalecidas pela Pandemia da COVID 19
Publicado originalmente no informativo BOLETIM COVID19/UFVJM. Comitê Técnico Cientifico Multidisciplinar de Assessoramento – UFVJM Campus Mucuri. Teófilo Otoni: Vol. 1 edição 5. 07 de Junho de 2020.
Vivemos os impactos da maior crise humanitária do século XXI. Até então, a COVID 19 se apresenta como a razão da primeira grande tragédia humana, social, cultural, econômica e política de nosso tempo. Reflexo, quase que natural, do atual modelo econômico de desenvolvimento, diriam muitos cientistas das ciências sociais.
As realidades locais, estaduais e nacionais encontram-se profundamente impactadas pela Pandemia, e revelaram a falência do discurso neoliberal do “estado mínimo”. Ao longo da história, em todos os “cantos” do mundo em momentos de crise social, é o Estado o único capaz de garantir o bem-estar, a segurança e a vida das populações. A pandemia evidenciou de forma cristalina a face cruel do atual modelo econômico: a desigualdade social. Esta se manifesta de inúmeras formas, na fome, na exclusão, no desemprego, no não acesso de todos aos serviços de saúde de qualidade, de educação, à habitação ao trabalho, dentre outras políticas sociais que, ao longo da nossa história, foram conquistadas com muita luta social e tornadas direitos constitucionais inalienáveis de todo cidadão brasileiro.
Já é consenso no meio acadêmico que as desigualdades sociais amplificam o poder devastador da COVID 19. Dados da Organização Mundial de Saúde - OMS apontam que países, regiões ou municípios, com indicadores expressivos de pobreza e vulnerabilidade social, têm sofrido impactos mais profundos. Pesquisas científicas recentes, realizadas por diversas e renomadas universidades públicas brasileiras, que vêm atuando na linha de frente do enfretamento à pandemia, apresentam dados preocupantes sobre a interiorização, no país, da contaminação pelo novo coronavírus.
O Brasil, segundo a OMS, já é o segundo país do mundo em números de casos, e tem manifestado preocupação com as políticas públicas ou melhor, com a ausência e/ou insuficiência de políticas de enfrentamento propostas pelos entes federativos. A condição de pobreza da população das periferias dos centros urbanos, assim como dos municípios mais empobrecidos no interior de Minas Gerais e do Brasil, tem potencializado o aumento do número de contaminados e, consequentemente o aumento do número de óbitos que, até o quinto dia do mês de junho, já ultrapassa a marca dos 35 mil, segundo dados oficiais. Esse cenário poderia ser pior se não fosse, a universalidade, a robustez e a capilaridade do SUS – Sistema Único de Saúde que, apesar de anos e anos de sucateamento e poucos recursos orçamentários, vem fazendo a diferença no presente contexto. É preciso ressaltar que o Brasil é um dos países do mundo que menos testa sua população para detecção do novo coronavírus. Apesar da alta subnotificação dos casos, que é uma realidade em todo o território nacional, o número de contaminados e mortos é muito elevado. Infelizmente, Minas Gerais figura como uma das unidades federativas do país com os menores índices de testagem situação que se complexifica com as desigualdades regionais.
Entre tantas Minas e Gerais, os municípios da Macrorregião Nordeste de Saúde, que engloba os Vales do Mucuri, médio e baixo Jequitinhonha, com uma população de aproximadamente 914 mil pessoas, figuram entre as regiões do Estado com os menores Índices de Desenvolvimento Humano - IDH-M. Os indicadores socioeconômicos refletem a materialidade das precárias e/ou ausentes infraestruturas públicas de pesquisa para produção de tecnologia, dos parcos recursos logístico e humano das unidades hospitalares nos municípios, expressos pelo baixo quantitativo de médicos, de leitos de UTI e de laboratórios para análises. Outra característica é baixa capacidade técnica, logística e operacional dos quadros do poder público, bem como da inciativa privada para enfrentamento da Pandemia.
Cabe ressaltar que o Vale do Mucuri, médio e baixo Jequitinhonha são as únicas regiões do Estado de Minas Gerais que não possuem Laboratórios de Biologia Molecular para testagem da COVID 19 credenciados junto à Fundação Ezequiel Dias – FUNED. Para nosso desgosto, essa é a realidade do Vale do Mucuri, o que já fora alertado por este Comitê Técnico, Científico e Multidisciplinar da UFVJM, na sua Nota Técnica 05/2020, emitida em 13/04/2020. Naquela ocasião, alertou-se para o risco do rápido colapso do sistema de saúde regional, devido à, devido à baixa capacidade de atendimento da rede hospitalar do município de Teófilo Otoni que compõe a rede de estabelecimentos hospitalares que serão referências de atendimento dos casos de baixa e média complexidade e de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) da micro e macrorregião Nordeste.
Apesar do trágico cenário em nosso horizonte, é preciso sensibilizar a população e os gestores públicos e privados locais para o fato de que todos os países, Estados e municípios que, até o momento vêm obtendo êxito no enfrentamento e mitigação dos efeitos da Pandemia, o fizeram seguindo orientações científicas em uma perspectiva multidisciplinar que serviram de fundamento para tomada de decisão e proposição de ações públicas que de fato atacam a raiz do problema.
É um equívoco pensar que as respostas para a crise sanitária a qual estamos imersos serão encontradas em um único campo disciplinar. A complexidade do problema exige respostas para além das ciências médicas, uma vez que o foco é a preservação da vida das pessoas em suas múltiplas dimensões. Se enxergamos os humanos, precisamos também observar e considerar tudo que está envolta dele: suas condições materiais, sociais, culturais e até cognitivas para compreender os estímulos na direção da autoproteção, emitindo mensagens que demonstrem a gravidade da doença. Assim sendo, a formulação das respostas requer o conjunto de saberes de todas as áreas do conhecimento para a produção articulada de ações práticas multisetoriais. Nesses termos, é inegável o protagonismo dos profissionais da saúde, a quem rendemos todas as homenagens e reconhecimento pelo brilhante trabalho e dedicação. Outra característica fundamental é a necessidade de uma profunda integração de todos os atores e instituições públicas da esfera municipal, estadual e federal. Não é possível exigir respostas e soluções ou responsabilizar apenas um ator social ou ente federativo, pois as experiências de sucesso no Brasil e no mundo nos ensinam que somente será possível obtermos sucesso na missão de salvar vidas promovendo a integração das instituições públicas e da sociedade civil.
É com esse espírito que nós do Comitê Técnico, Científico e Multidisciplinar de Assessoramento, composto por profissionais associados à UFVJM – Campus Mucuri, enxergamos nossa missão. Nesse sentido, compreendemos ser fundamental produzir ciência, tecnologia, informação sócio referenciada e disponibiliza-las à sociedade, no intuito contribuir com informações tratadas cientificamente, para que sejam divulgadas e socializadas as projeções estatísticas, bem como mapas exclusivos da nossa região. Dentre as ações em fase de realização, estão a produção em impressoras 3D de equipamentos de proteção individual – EPI, protetores face shields, que foram distribuídos gratuitamente a todas as unidades de saúde dos municípios do Vale do Mucuri e já estamos distribuindo aos municípios do médio e baixo Jequitinhonha.
Outra ação prioritária, que merece destaque na estratégia regional de enfrentamento, é a necessidade de construção, em regime de emergência, do Laboratório de Pesquisa e Diagnóstico Biologia Molecular, na Faculdade de Medicina do Mucuri – FAMMUC UFVJM, para testagem do novo coronavírus na nossa população, via metodologias RT- PCR e teste sorológico no futuro. Tal laboratório será instrumento essencial para aumentar a testagem e reduzir a elevada subnotificação dos casos, ação fundamental para contenção e mapeamento da dispersão da pandemia na nossa região. Atualmente, pela ausência de laboratórios credenciados pelo Estado, aqui no Vale do Mucuri, os testes do novo coronavírus são realizados pela FUNED, na capital Belo Horizonte. Entretanto, os resultados têm sido publicados pela Secretaria Estadual de Saúde, com relativa demora, o que compromete a tomada de decisão dos gestores nos municípios do interior.
Adicionalmente, no pós-pandemia, o Laboratório de Biologia Molecular na FAMMUC UFVJM - Campus Mucuri, servirá como legado para a prestação de serviço à comunidade por meio de testes e pesquisas que englobarão doenças como febre amarela, dengue, HIV-AIDS, esquistossomose (xistose), testes de DNA, entre outras. Inquestionavelmente, esse equipamento público será um instrumento importante para promoção da saúde e qualidade de vida da população dos Vales, no presente e no futuro.
Desde o início desta pandemia, servidores do campus Mucuri, professores e técnicos permanecem diuturnamente no cumprimento da sua missão no esforço coletivo para o cumprimento da missão institucional e humanística de contribuir para o desenvolvimento regional. Na esperança de dias melhores, mantêm-se firmes, em especial, em razão do povo dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha.
#FIQUE EM CASA, SALVE VIDAS!
Leonel de Oliveira Pinheiro
Prof. Departamento de Administração – FACSAE – UFVJM.
Pesquisador e Extensionista do GEPAF / NIPE / UFVJM.
Membro do Núcleo Integrado de Pesquisa do Campus Mucuri – NIPE / UFVJM.
Pesquisador Colaborador do CICS.NOVA | FCSH / UNL – Portugal.
Aceda ao Boletim Informativo completo aqui.