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Reflexões em tempos de pandemia

A (in)visibilidade do trabalho de cuidados e a reforma que urge em tempos de pandemia

Ana Paula Gil, investigadora do CICS.NOVA, é a autora do texto de reflexão “A (in)visibilidade do trabalho de cuidados e a reforma que urge em tempos de pandemia”.

O texto reflecte sobre os múltiplos problemas que o sistema de cuidados da população idosa em Portugal enfrenta e aos quais a pandemia de Covid-19 deu visibilidade. No texto, a autora defende a necessidade de “Repensar o sistema de monitorização da qualidade e a profissionalização dos trabalhadores de cuidados constituem áreas estratégicas de intervenção pública, questões centrais para a investigação na área da saúde e das ciências sociais e humanas.”

 

 

A (in)visibilidade do trabalho de cuidados e a reforma que urge em tempos de pandemia

A chegada do Covid-19 veio abalar todo o sistema de cuidados, em Portugal, e dar visibilidade a múltiplas problemáticas associadas às práticas de cuidar, quer nas estruturas residenciais para pessoas idosas, quer nos serviços de apoio domiciliário.  Escassez de recursos humanos, difíceis condições de trabalho, sobrecarga laboral e situações de burnout, falta de formação, excessiva rotatividade e abandono precoce, são fatores que fragilizam o sistema de cuidados e que resultam, em muito, do não reconhecimento do trabalho de cuidados que é prestado à população idosa.

Repensar o sistema de monitorização da qualidade dos cuidados é urgente. Apesar dos avanços significativos no sistema de inspeção dos equipamentos sociais, a avaliação ainda se baseia em padrões mínimos, centrado exclusivamente nos aspetos estruturais e de funcionamento, e menos em dimensões como o bem-estar físico, psicológico, os cuidados de saúde, a estimulação cognitiva, física e relacional de quem envelhece em instituição.

Em toda a Europa há uma variedade de mecanismos de avaliação da qualidade dos serviços (sistemas de gestão da qualidade, modelos únicos, centrados em inspeções, ou modelos mistos) e mesmo em sistemas consolidados, a fraca qualidade dos cuidados e os maus-tratos surgem. Por isso, é importante questionar a eficácia do modelo de monitorização dos cuidados. Com base nas denúncias apresentadas aos serviços de inspeção da segurança social, entre 2009 e 2016, num total de 3685 registos (ISS, IP), concluiu-se que as principais irregularidades diziam respeito aos aspetos estruturais, organizacionais e de recursos humanos. O problema dos lares não licenciados é um problema grave na sociedade portuguesa. Existem diferenças entre o sector lucrativo (sem alvará) e não lucrativo, apesar das irregularidades de funcionamento e de segurança, de insuficiência de pessoal serem problemas transversais a ambos os sectores (Gil, 2019[1]). Um segundo problema emerge e que o Covid-19 veio despertar, as difíceis condições de trabalho dos trabalhadores, no sector dos cuidados, recentemente reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho (2018)[2], como determinantes importantes para a qualidade dos cuidados. Repensar o sistema de monitorização da qualidade e a profissionalização dos trabalhadores de cuidados constituem áreas estratégicas de intervenção pública, questões centrais para a investigação na área da saúde e das ciências sociais e humanas.

Ana Paula Gil

Professora Auxiliar da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, FCSHNOVA, e investigadora CICS.NOVA.

 

[1] Gil, A.P. (2019) "Quality procedures and complaints: nursing homes in Portugal", The Journal of Adult Protection, Vol. 21 No. 2: 126-143.

[2] International Labour Office (ILO) (2018), Care work and care jobs for the future of decent work. International Labour Office, Geneva.

 

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico